sábado, 30 de maio de 2009

Quarto de dormir

Arnaldo Antunes / Marcelo Jeneci


Um dia desses você vai ficar lembrando de nós dois
e não vai acender a luz do quarto quando o sol se for
bem abraçada no lençol da cama vai chorar por nós
pensando no escuro ter ouvido o som da minha voz
vai acariciar seu próprio corpo e na imaginação
fazer de conta que a sua agora é a minha mão
mas eu não vou saber de nada do que você vai sentir
sozinha no seu quarto de dormir

No cine-pensamento eu também tento reconstituir
as coisas que um dia você disse pra me seduzir
enquanto na janela espero a chuva que não quer cair
o vento traz o riso seu que sempre me fazia rir
e o mundo vai dar voltas sobre voltas ao redor de si
até toda memória dessa nossa estória se extinguir
e você nunca vai saber de nada do que eu senti
sozinho no meu quarto de dormir

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Desejo

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.

Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.

E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,

Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga “Isso é meu”,
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.


Victor Hugo

Não costumo postar textos que não são meus. Mas é inerente não se render aos conselhos deste Senhor, que viveu no século XIX, e já dispunha de tanta sabedoria, a qual até hoje não apreendemos.

"Façamos amor e não guerra..."

J. Compasso


Vitrola - Guerra-Peixe
Leitura - "A Soma dos Dias" (2007); Isabel Allende

domingo, 24 de maio de 2009

Noite estrelada


Há muito tempo que não me refugio em meu lugar favorito. A última vez que vim, trouxe uma pessoa muito importante, a primeira a conhecer este lugar que julgo ser tão meu. A primeira e certamente a última. Foi uma noite estrelada e especial, com direito a alguns vários cálices de vinho, velas, trilha sonora e toalha quadriculada.

Hoje volto ao lugar aonde tudo sou; criança, mágico e até o velho do saco. Realizo-me entre as telhas. Deito e apenas abro os olhos, estou diante do universo, estou mais perto das estrelas, estou voando. O céu estar mais próximo. Sinto o pesar da lua e o orvalho deita em meu rosto. Este lugar, o meu lugar, me dar a incrível sensação de leveza do meu ser. É o meu momento com o divã, de descobertas e reflexão. Inquisidor, ouvinte e questionador. Diante de mim o mundo tal como ele é, tal como eu quero que ele seja.

O meu telhado e as estrelas que caem sobre ele, me transformam.

J. Compasso

Película - "Traídos pelo Destino" (2008)
*Destaque pela beleza da atriz (Jennifer Connelly) e da sua personagem, uma mulher linda e sensível em todos os sentidos.

Tela - A Noite Estrelada (1889) - Vicent Van Gogh

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Nudança


Ultimamente tenho me assustado com a busca incessante que as pessoas empregam em suas mudanças. Vejo um desespero nesta busca que desencadeia um profundo desrespeito ao seu ser primitivo.

A busca geralmente começa pelo universo exterior. A primeira coisa que as mulheres fazem é cortar ou pintar o cabelo, para sentirem que realmente mudaram. Os homens se afundam em saídas diárias e desesperadas, fazem milhares de melhores amigos em um único dia, saem loucos atrás de mulheres, bebidas e cigarros, as mulheres infelizmente também seguem essa linha. É algo inerente ao sexo, é a mesma busca.

Penso no que leva a pessoa a transformar totalmente seus hábitos. Será que eram tão infelizes, que no primeiro momento que puderam se libertaram dos seus antigos costumes? Será que toda essa necessidade súbita nunca existiu em anos de vida, para desflorarem do nada? E o que sempre existiu, aonde esta agora? Entristece-me tudo isso.

Acredito que a mudança é algo que deve partir de dentro para fora e nunca o seu contrário. Deve ser serena e respeitar seu eu verdadeiro, sem atropelos. Existimos antes de tudo. E a essa existência, que foi construída durante todos os anos da nossa vida é que deve ser respeitada. Só assim mudaremos verdadeiramente.

Para mim a mudança deve ter a mesma leveza que dançar nu.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Na Sala do Dentista




Não tenho medo de dentista. Medo no meu entender é nada menos do que estar frente ao desconhecido. E não é esse o meu caso, eu conhecia muito bem eles, na verdade, tenho um “certo trauma” devido minha história dentária. Usei cerca de 8 anos aparelho, tive um dentista militar sanguinário que iria com freqüência quando criança e adolescente. Até que cansei, arranquei o aparelho, mudei de dentista que escolhi a dedo, e nunca mais tinha ido a um, a não ser no meu amigo bigode para um excelente clareamento (recomendo para quem desejar, me peçam o contato).

Para enfatizar esse meu trauma, resguardei esse parágrafo para vocês não terem a falsa impressão de que se tratava de falta de coragem. Eu sempre fui um menino muito treloso, já levei vários pontos, (um deles costuraram quase no cru, porque não tinham anestesia certa), fratura exposta da cartilagem, operações, ou seja, fui muito levado e sempre gostei dessa emoção, não tenho o menor receio com bisturi ou agulha (fiz um tratamento de 6 meses que tomava medicação injetável toda semana). Mas o “Zzzziiiiiiihhh...” do motor do dentista me dá arrepios.

Pois bem, eis que o meu terceiro molar nascerá quase que deitado e seria inevitável não tira-lo. Retardei o quanto pude, até que enchi o peito de coragem, conversei com um colega que era um dos melhores neste procedimento (confiança é tudo) e fui hoje a tarde retirar este dente que não sei por que existe. Cheguei tranqüilo, estava confiante, mas só foi deitar na cadeira que a suadeira começou. O ar estava ligado em sua potencia máxima, mas o nervosismo me fazia transpirar muito.

O plano dele, era quebrar meu dente em dois com a broca e depois retira-lo, na teoria parecia fácil. A anestesia foi tranqüila apesar de sentir uns “choques”. Por culpa da minha querida mãe que sempre nos obrigou a tomar muito leite, “faz bem para os ossos e dentes”, o meu dente parecia uma pedra de tão duro. Isso fez com que ele quebrasse em três pedaços. Até na hora de costurar,deve dificuldade pela rigidez da minha gengiva; “eita! Que até a tua gengiva é dura, bicho”, como não sentia mais nada, tudo bem! Tentei manter o meu equilíbrio sempre, mesmo sentido um pouco de dor.

No fim, estava mais suado do que quando jogo futebol. Foi uma hora de agonia. O dentista foi fabuloso, ele é muito bom, sei que toda a complicação estava dentro de minha cabeça. No fim, pedi para levar os 3 pedaços enormes de dente, ao chegar em casa, nostalgicamente repeti o ritual que fazia ao arrancar meus dentes de leite. Acompanhado do chavão; “São longuinho, são longão, leve esse dente podre e traga outro são” (na verdade depois informei a são longuinho que não tinha necessidade de trazer outro, que ele não me leve a mal), fiz três pedidos. Comprei muito sorvete, separei uma sessão de filmes e me dedicarei ao colchão. E esperar 7 dias para novo sofrimento, quando retirarei o outro.

Homenagem aos meus melhores amigos dentistas: Rodrigo Sales (vulgo Bigode) e Vinícius Vasconcelos (vulgo mago ou vininha).

J. Compasso

Trilha - Novos Baianos Futebol Club

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Dificuldade de ser


“Sou um espírito livre, um sonhador, me alimento de vida... busco no mar a eternidade e no sol a evolução”

Em um marasmo de pensamentos, aonde existem muitas idéias, mas poucas linhas, encontrei esta frase. Escrevi-a há muitos anos, o que ao lê-la desencadeou;


Vai!
Mais não se esquece de calibrar o coração com muito amor
Aonde fores, estarás seguro se estás munido de amor

Não se distancie dos seus sonhos, eles são sua maior referência de quem você realmente é
Para isso, reflita sempre o que sonhavas quando era criança... Como se via quando adulto? Em uma grande casa com jardim e cachorro? Como seria a sua família? Estas construindo isto?
O estado criança é o mais puro, e podemos está-lo a todo momento

Liberte-se de amarras
Viva de acordo com o que você é
Não se aprisione atrás de mentiras que crias para não enfrentar a realidade do que és

Alimente-se da natureza e dos presentes que ela te oferta
Feche os olhos e sinta o poder da vida em frente ao mar, no bosque, ou no seu banheiro
É a forma mais fácil de sentir o amor



Ao acabar de escrever, constato que é obvio que meu pensamento pouco influenciou nesta meia boca dúzia de palavras. Influência sim, clara e patética de um pensamento do Robert Nesta Marley:
"Supere os demônios com uma coisa chamada amor."

Salve Rastafari, Salve Bob
Paz e amor

Película - O menino de pijama listrado (2008)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Quarto de Hotel


Ele tem dificuldades para dormir na sua primeira noite. Certo de que essa dificuldade não provem de um possível estranhamento do local e sim, pela angústia perseguidora que policia todos os seus atos. Vira de um lado a outro em uma cama box enorme, procura um caimento, uma posição, abraça o segundo travesseiro, experimenta ele entre as pernas, movimento. São quase três horas da manhã, e nem mesmo aquela proposital cerveja gelada tomada antes de dormir, o faz. O cansaço é inversamente proporcional com seu sono.

Depois de se acostumar com a escuridão a ponto de poder enxergar, sem saber ao certo como aconteceu, acorda com o despertador do celular. Hora de trabalhar. Neste momento existe um misto entre o cansaço, que continua enorme e o sono, que o fez valer. Um banho revigorante o faz bem. Ao tomar um bom café, sente-se muito bem e pronto para fazer o que mais ama, o seu trabalho. Por muitos momentos e intercessões, parecia que havia dado um Stand by na sua companheira angústia. Teria finalmente aliviado suas tensões?

Ao final do dia, se sentia realizado pelo seu trabalho e pelos positivos comentários. Não era uma felicidade eufórica, mas sim serena. Não estava completo, no fundo sabia e tentará se enganar.

Trilha – Arnaldo Antunes – Ao vivo no Estúdio
Foto – João Compasso

terça-feira, 12 de maio de 2009

Continuação


Quarto de hotel, 11 de maio de 2009, 16h40min de um dia estranho. Meus dias têm seguido essa característica modorrenta. Acabo de chegar a mais uma cidade, desta vez, Natal. Devido não ter conseguido dormir, tive uma viajem sonolenta e cansativa. Além do cansaço físico, encontro-me esgotado de um vazio que não me deixa dormir.
O hotel é maravilhoso, com uma varanda espetacular de vista para um lindo mar azul. Tenho aqui todo conforto que preciso. O gerente tem um bigode estranho, mas é simpático;
- Dr. Picasso, é o quarto 04.
- É “Compasso” Sr. Bigode, apesar de ter um Picasso também!
O camareiro bastante simpático, distribuindo sorrisos amarelados. Os novos hóspedes que chegaram é uma típica família paulista, me olharam bastante desconfiados. Talvez seja pelo meu traje “diferente” combinado com meus óculos Ray-Ban retro. Caminho lentamente para o meu quarto no primeiro andar. Gosto a primeira vista, e me dedico há alguns segundos a varanda. Sinto o vento, o mar, a maresia. Novamente, surgi à vontade de fumar e ver a musicalidade da fumaça saindo e entrando, purificando...

Continuo à eternidade do amor...e acredito nele

J. Compasso

* Foto feita por mim, da Janela do meu quarto - Ponta Negra, Natal-RN

domingo, 10 de maio de 2009

Acredito no Amor [2]

Meia noite e trinta minutos de um Domingo estranho e modorrento
Fujo dos meus pensamentos atrozes que me fazem chorar
Preciso sair de casa, preciso ver o mar
Se eu tivesse cachorro, eu daria uma volta com ele, talvez afugentasse algumas mágoas

Mágoas que racionalmente não deveriam se expressar
Mas não é fácil convencer meu coração
Preciso fugir
Correr nu pela rua silenciosa

Preciso ser notado em meu anonimato
Penso no álcool como uma solução mais imediatista
Mas minha pouca crença acha que não me fará bem

Queria fumar, e ver a sensível dança que a fumaça faz ao entrar e sair do meu corpo
Será que ela me purificaria? Será que ela carregaria de mim essa angústia?
Por Deus, preciso sair

E o farei agora, sem demora
Caminharei a exaustão, ou apenas por alguns minutos
Viver também é sofre

“tristeza não tem fim, felicidade sim”

J. Compasso

Acredito no Amor


Não sei bem o que sinto
é uma mistura de vazio e nostalgia, angústia
Hoje, a noite, comecei a sentir um frio na barriga desconfiado
Meu peito apertava e minhas maos suavam

Fechei meus olhos e senti as pessoas que amo
Algumas senti mais distantes do que o habitual
Nada seria como antes, sentir

A vida é tão leve que não deveria caber esse pesar
Somos egoístas e desejamos demais, anulando desejos alheios
Definitivamente, demorará a sarar, talvez um ano, talvez alguns

Não sou funcional
Meu coração não abre toda vez que estou só
preciso de um tempo, de uma revitalização
Me respeito

"a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros"

ACREDITO NO AMOR, ACREDITEM TAMBÉM

J. Compasso

segunda-feira, 4 de maio de 2009

A única certeza


A morte é um ato que me faz pensar. Não posso omitir o fato, de que quando esta acontece depois de: nascermos, crescermos, procriarmos (boa essa fase), e envelhecermos, e quando não é provocada por alguém, ou por uma doença que seja bastante penosa e que se arrasta por anos, é vista por mim como mais uma etapa de um ciclo. Já provou isto Saramago em sua belíssima obra, “As intermitências da morte”. Procuro encará-la como algo natural, e na maior parte das vezes consigo vê-la assim.

Porém é fato que nós seres humanos e principalmente, nós os latinos, temos sentimentos que não nos conforta esse racionalismo quase cético. Nossas lembranças e o sentimento que nutrimos por quem parte é algo que nos embala, no mínimo, em um ritmo nostálgico. Por mais que não tenhamos contato direto com o falecido, algo nos toca se sabíamos quem era, e principalmente se admirávamos quem partiu.

Augusto Boal foi um precursor do teatro brasileiro e mundial. Criou o chamado teatro do oprimido e teatro invisível, além de ser responsável por um grande acervo literário, entre artigos e livros. Diretor, dramaturgo, ensaísta, humano. Com seu teatro viajou o mundo e em áreas mais pobres, como a áfrica, transformou realidades. Possuindo o teatro como ferramenta de emancipação política, atuou no sistema prisional, educação e em outros tantos de responsabilidade social. Usou o teatro sempre como um utensílio de transformação social.

Felizmente tive a oportunidade de assistir uma palestra com ele e trocar algumas idéias. Endossando a minha primeira frase, “A morte é um ato que me faz pensar”. Penso e reflito a grandiosidade deste homem e sua contribuição no meio teatral e principalmente na sociedade.

+ 02/05/2009

J. Compasso

Trilha – My Way (Frank Sinatra)
Leitura – As intermitências da morte (José Saramago)
Película – Amor além da vida (1998); Dir. Vincent Ward